Nevava suavemente na Central Park West, minúsculos flocos de cristal gelado gotejavam do céu, dançando loucamente, festejando o natal branco.
O músico sentia o prazer da caminhada na neve, devagar, saboreando cada passo, os minúsculos cristais cobrindo sua roupa, seus cabelos, seus cílios, como minúsculas faíscas de diamante lascado.
Embora às vezes precisasse ficar sozinho, ele sentia a premência do chamado para voltar aos braços da sinfonia que ele havia composto para sua vida! Afinal, ele era Música!
Sempre que possível o Natal era ali O grande apartamento ficava pequeno para reunir a família, os pais, os irmãos, os sobrinhos e os amigos mais chegados.
Ele inspirou profundamente e sentiu os cheiros do natal em sua memória, somados ao vento gelado e cortante, invadirem seus sentidos... o aroma das amêndoas caramelizadas e do Glühwein, o vinho quente temperado, misturados às fornadas de Spekulatius (tradicionais biscoitos de especiarias), Lebkuchen (pão de mel), Vanillekipferln (biscoitinhos de baunilha e amêndoas), Stolen (bolo natalino com frutas) e Zimtsterne (estrelinhas à base de amêndoas e canela e cobertas de glacê)... tudo temperado com os acordes da música, a razão dele existir...
Desde criança sua parte nos preparativos da festa do Natal era fornecer a trilha sonora. Com seu violino ele embalava a animação da festa. Mas, agora, já não precisava mais se preocupar muito com isso... não precisam dele!
Quando deu por si, estava de volta ao seu edifício e lançou o olhar para os andares altos, piscando de satisfação ao reconhecer as luzes de seu próprio lar tão iluminado, que piscavam para ele, como se reclamassem sua ausência. Tomou o elevador e apurou os ouvidos. O som distante começou a ficar cada vez mais claro e ele pode reconhecer claramente os acordes da melodia que compusera há tantos anos atrás. Ainda era uma de suas preferidas... estava sendo executada em seu Jean Baptiste e ele conhecia cada nuance de cada nota, assim como conhecia cada centímetro da pele que recobria seu corpo.
Sentiu o frissom começar na base da coluna, subir até seus ombros, tomar seu couro cabeludo e espalhar-se por seus braços e pernas arrepiando todos os pelos... ele não podia evitar... era como se ele próprio estivesse tocando... e isso sempre o deixava fascinado e... orgulhoso!
Saiu do elevador no hall privativo e parou em frente a porta aberta do apartamento, saboreando a última nota, ofuscado pela luz brilhante. Fechou os olhos por um momento para fixar aquela lembrança, ensaiando um passo para entrar, quando sentiu seu corpo ser envolvido em um abraço quente, delicado e feminino!
- Olá papai, eu sabia que tocando a sua música ia trazer você de volta!
EntreNotas/Nisia
O texto é um exercício de imaginação da autora
Imagem sem crédito na web
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